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Wednesday, November 18, 2009

Parte IV – Toda beleza deve morrer.


O vento frio provavelmente me trazia algum desconforto, por mais que minha expressão fosse de absoluta serenidade.Eu não conseguia entender ao certo o que tinha acontecido. Só me recordo do som de um tiro, disparado em minha direção, o som das sirenes, um som uníssono, vibrante, mas que não me incomodava, pois não conseguia sentir meu corpo.Estava em um ambiente vago, incompleto, dominado por árvores que exalavam um odor cinza, leve, de certa forma, um tanto quanto sombrio; até que ela aparece em minha direção, me beija os lábios. A sua presença viva, isso dava àquele ambiente qualquer ritmo de feitiçaria; Ela, seus lábios vermelhos, carnudos. Ela era o todo, o todo traduzido na natureza e seus mistérios. Com ela, as músicas altas das folhas, que cantam sem cessar, tinham escondido toda a lamúria da terra. Ela era bela, a plena encarnação de todos os meus desejos, era minha amante, o amor da minha vida.Agora eu finalmente tinha me deixado tomar por suas “estranhas liturgias”, agora estava a compactuar com seus medos, que antes não decifrava, mas que agora aceito, como um cão faminto aceita um osso descarnado, estas migalhas que ela joga entre beijos, e palavras que ouço, por mais distantes que elas pareçam estar. Agora não estou mais desesperada, tentando encontrar um sentido, um código, uma senha qualquer que me permita encontrar um atalho onde ela não desvie tão súbito os olhos, onde seu dedo não roce tão passageiro no meu braço, onde se detenha mais demorada sobre isso que sou, e pense, que se a aceito, é por que a amo.

Parte III – A outra

Às vezes nós reconhecemos em nós mesmos uma grande árvore. Clarice reconhecia nesta grande árvore uma série de ramificações. Por um lado, alguns galhos eram seus delírios, sua vontade inquebrantável de libertação da redoma de vidro na qual se lançara. Mais galhos, sua relação com Susana, irrecuperavelmente desgastada e egoísta. Talvez em um destes galhos eu estivesse presente.
Até que ponto seria eu, apenas eu, uma dissonância latente do ambiente que a aprisionava? Até que ponto seria eu uma árvore-mãe, pronta para sustentá-la em meus enormes "galhos - braços", dando-lhe amor e alento?
Resolvo ir até sua casa- uma casa mal cuidada tem uma aparência infeliz. Era como se tudo naquela casa sofresse de uma paralisia progressiva - eu precisava de uma resposta, de um não definitivo, precisava olhar em seus olhos e ter a certeza de que ela não me amava mais.
A empregada atende o interfone. Clarice não está em casa, saiu. Foi a um bar com algumas amigas, e com a Susana. Como um cão faminto e abandonado, saio a sua procura, rastreando seus passos, ainda sentindo seu cheiro, aquele, bem na curva onde o pescoço se transforma em ombro, o lugar onde o cheiro de uma pessoa nunca é igual ao outro.
Ando alguns metros e observo distante, Clarice e as amigas.
Um caos negativo atravessa as relações humanas. Esses eram os momentos mais difíceis para mim, como se sentisse as vísceras se revolvendo inescrupulosamente dentro de um corpo vazio. São nesses momentos que a minha angústia atingia um ponto máximo.
É uma experiência estranha essa de amar alguém com quem não se possa viver.
Será que essas pessoas não vêem que o jogo da vida se apresenta sobre múltiplas e variadas formas?
Elas falam em dinheiro, sonhos, poder. Eu vejo o vazio, a pobreza, a ausência de perdão.
Estar nesse ambiente é como estar numa prisão. Não só visceral como espiritual. Estar nesse ambiente é estar em um barco de luxo afundando durante um baile de máscaras.
Eu estou em um arquipélago, no meio do oceano.
Ela estava rodeada de palhaços brancos. Todos eles insensíveis, perigosos, oscilando entre a morte e uma sexualidade destruída.
Ela, apenas ela, uma forte luminosidade, uma nitidez ininterrupta.
Em mim, os demônios, vivendo uma vida de amaldiçoados, num sofrimento insuportável, eternamente interligados. Mordem-se uns aos outros, cada qual se alimentando da alma dos restantes. No jantar, esses mesmos demônios têm um aspecto formal. Eles conversam, o riso amargo ganhando uma variedade de formas. São estranhos dentro da sua própria condição de miseráveis.
Espero até que as duas saiam do bar. Ladrando seus passos, as sigo até sua casa. Recordo-me de uma frase que li quando ainda era criança em um livro empoeirado que ficava na estante do meu avô: A dor e a incerteza da mulher são como um imã que a atrai para a confusão.
Viver com ela seria deslocar-me a uma velocidade incrível. Em segundos atingiria sua boca, seus lençóis, seu peito. Logo percebo que no fundo vivo permanentemente em meu sonho e faço visitas à realidade.
Com quem lamentar que sua vida a levasse a uma estrada cada vez mais estreita?
Susana? Suzana a aprisionava no tempo, a confinava dentro da sua teia de egoísmo, sempre com exigências, cobranças.
Eu estava lá, presente, esperando apenas por um sinal, um aceno, uma migalha da sua atenção. Estava lá, esperando por ajudá-la, eu, apenas eu, a amaria até que a eternidade nos separasse.
Ela era livre, e poderia adejar, quando bem entendesse, para dentro e para fora da prisão dela, por mais que acreditasse que seu único porto seguro era a sua própria doença. O medo.
Susana, sempre ela, a epígrafe do seu sofrimento. Não bastava ter perdido os pais, estava atrelado a um relacionamento que sugava suas forças, inoculando-lhe doses excessivas de sofrimento.

Queria abrandar sua loucura abraçando sua desgraça e sua tristeza.
Toda beleza deve morrer;
Ajoelhando-me sobre ela, com uma pedra em punho, deveria plantar uma rosa entre seus dentes.

Parte II – A separação


Clarice não atendia mais minhas ligações. Eu estava amargurada, preocupada, queria ter notícias dela a qualquer custo. Até que um dia o telefone toca.
Alô?
Oi, sou eu, a Clarice.
Oi, eu liguei p. você todos estes dias, mas você não retornou minhas ligações.
Eu preciso conversar contigo, podemos nos ver no final da tarde?
Sim, claro. Podemos marcar no parque?
Pode ser, estarei lá às 18h00min, te esperando.
Encontramos-nos no parque no horário combinado. Quando eu cheguei, ela já estava lá, me esperando. Olhos lacrimejando, parecia que tinha algo sério p. falar comigo. Disse que tinha resolvido marcar nosso encontro no parque por que lá ela se recordava dos pais, mortos em um acidente de carro quando ela ainda era criança.
Quando ela resolve falar sobre seus pais, percebo que com eles mantinha uma guerra aberta. Com eles não podia falar, estavam mortos. Os cadáveres habitavam no seu guarda-roupa.
Percebo que seu pai era ela, inteiramente ela. Ela, com 25 anos, privada de relações humanas, introvertida, e não apenas relativamente, mas bastante fracassada. Sinto seu pai tomando-a pela mão, levando-a para a água. Na água bate sol. Do outro lado sua mãe acenava, mas não podia confortá-la.
Aquela também era uma morte lenta para Clarice. Era uma despedida.
A nossa despedida.
Eu sou casada, Ana. Eu te amo, mas não podemos ficar juntas. Estou presa a este relacionamento. Não saberia como te explicar isso, mas é o fim. Infelizmente tenho que te dizer , e acho melhor mesmo te falar de uma vez por todas, assim o sofrimento é menor.
Todo o mistério havia se perdido. Todos têm seus ângulos secretos. Toda relação, mesmo harmoniosa, contém sementes de farsa e tragédia. Tudo são armadilhas.
Havíamos chegado ao auge do relacionamento, agora, ele fatalmente começaria a desmoronar.
Dizer que sangrei por dentro soa a muito sangue, mas não encontro melhor termo para definir o que senti. Minhas lembranças estão em contato íntimo com minhas entranhas, meu coração, meu cérebro, meus nervos, no órgão genital, em meus intestinos.
Não havia nada mais na minha cabeça nem na minha vida além do espaço em branco deixado pela sua ausência.
Deixei-me sem fazer absolutamente nada além de respirar.
De todas as minhas lembranças, só guardei três gostos na boca - de vodca, de lágrima, e de café.
Ela era minha predadora das trevas, sabia que um dia ele causaria a minha morte






Parte I – O encontro


São mais ou menos onze da noite. As sirenes são o único som audível na madrugada.
Houve um assassinato em uma velha mansão. Provavelmente lerão a respeito nos jornais, ou ouvirão na televisão, pois envolve um membro de fina malha aristocrática. Mas antes de ouvirem um relato distorcido e exagerado, talvez queiram ouvir os fatos. Se esse é o caso, vieram falar com a pessoa certa. O corpo de uma jovem foi encontrado no interior de uma mansão, com dois tiros nas costas e um no estômago. Ninguém especial. Só uma florista com ambições frustradas de ser fotógrafa.

A eternidade para mim começou em um dia de primavera.
Clarice, uma obra de arte, pintada por algum artista esquecido, que tentou usar linhas precisas para ter a exata definição de sua face e do seu corpo.
Sua pele me faz chorar, doce e capaz de exalar um perfume natural, como se fosse feita de rosas.
Santa e demônio. Uma mistura quase desconcertante de maturidade sexual e uma alegria infantil, ingênua.

A primeira vez que nos vimos foi em uma floricultura. Na ocasião ela foi comprar um buquê de rosas. Perguntei para quem eram as rosas, ela disse que era segredo, e que talvez um dia me contasse.
No outro dia, quando estava abrindo a floricultura, ela reaparece, e continuamos a conversa que tínhamos iniciado um dia antes. Peço que ela retorne no final do expediente. Convido-a pra andar na praia.

Eu nunca tinha visto uma garota tão linda como a Clarice.

Tinha olhos que fitavam o universo. Mas olhava para dentro como se estivesse a ocultar um tesouro oculto.
Por mais que tivesse um sólido físico, existia nela algo de não substancial, como se pudéssemos passar as mãos por entre seu corpo, quebrando-a em uma infinidade de corpúsculos menores.

Na praia observo o vento batendo em seu rosto. Ela me olha de uma maneira desconcertante, tímida, desviando o olhar. Quase sempre, seu olho bate em mim e logo se desvia, e vejo seu rosto mais nu que sempre, à beira mar, com este vento a bater e a esvoaçar cabelos e pensamentos. Mas mesmo quando seu olho se afasta do meu, continuo olhando, detalhadamente. Talvez ela não saiba, mas já conheço cada milímetro da sua pele.

Perambulamos pelas ruas. Tomamos um vinho.

Altas de corpos e copos.
Perdidas, perdemo-nos, perdi-me. Bebemos um pouco, não muito, só o suficiente para acender a emoção cansada, pensamentos altos de noite, algum álcool, e muita solidão.

Caminhamos em direção ao gozo.

Eu estou irrecuperavelmente unido a ela;
Sinto sua pele aderida a minha. Seu cheiro selvagem, tudo isso me faz ter explosões internas, tudo isso me faz ter tremores, suores; uma grande dor perfura o meu corpo abandonado, almejando por seu corpo. Nosso corpo, uma sinfonia de cores, uma vida que pulsa.
Eu amo seu corpo, amo mais seu corpo do que sua alma. A alma é imortal, o corpo é perecível. Preciso refugiar-me nos esconderijos do seu corpo, preciso mergulhar no abismo transcendente das "linhas quentes" deste corpo.