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Sunday, May 13, 2007

Vitório, o filho abandonado, nascera por simples conveniência de um impetuoso fado. Era fruto proibido, nascido do desejo e da tragédia.

Sua mãe, senhora sofisticada, uma das mais belas damas da recatada sociedade carioca dos anos 20, fora vítima de um crime hediondo. Entregara toda a sua fortuna a um cigano sedutor, amancebado por uma virilidade cavernosa, uma indecência de caráter e insensatez de espírito, languidamente camuflados pela música absorta e os perjúrios de amor que soavam doce aos ouvidos da imaculada Maria.

Numa manhã cinzenta, decepa-lhe o ventre com um só golpe de lâmina prateada, arrancando-lhe assim, todas as quimeras que retinha entranhada aos poros, a cada ângulo, a cada linha do seu corpo lívido.

Vitório é criado por Azor, o mais temido dono de escravos da redondeza, pai de Maria. O cigano sedutor, pai do desprezo e da maldade, não lhe roubara a beleza dos traços finos, a boca vermelha que mais se assemelhava a gotículas de sangue, a pele alva, os cabelos lisos e negros.

O menino cresce avesso ao sofrimento. Da dor ele não se compadece. Alimenta sua alma através dos sentidos. Consegue absorver o aroma lilás de um jardim envelhecido, transformando-o em vinho a entorpecer suas dores adormecidas, congeladas pela frieza dos gestos, a expressão sempre fleumática.

Na verdade das retóricas e da ortodoxia ele não acredita. Acredita na verdade que oscila, na verdade acrobática, nas idéias performáticas e na imoralidade dos versos balbuciados por vagabundos trôpegos, enaltecidos de ódio e lascívia.

Mas Vitório se entristece. Ao olhar seu reflexo no azul anil do rio dos botos, adquire um ar soturno, sombrio. Teme envelhecer. Teme não suportar olhar-se ao espelho, e constatar que seu rosto tornara-se um “livro de orações mal encadernado”. Angustia-se ao saber que não herdará a raiz viril e cavernosa do cigano traiçoeiro, o pai do desprezo e da maldade, o devasso, o hostil.

O filho do amor e da obsessão anseia em imortalizar sua beleza em um quadro panorâmico, ungido a óleo e a lembranças de paixões incendiantes, onde o espírito, a alma pura, transformava-se em desejo vacilante, em amor que transbordava através da “Vênus das peles”.

Meses de agonia muda, e Vitório, cuja intuição e sinceridade da imaginação sempre se mostraram presentes, segue a trajetória da arte, o percurso do artista-narciso, nascido no Olímpio, entre deuses vaidosos e hedonistas.


Com sangue e fogo desenha seu auto-retrato, congela eternamente, numa lápide fria, a poesia dos seus traços, único dom herdado da encarnação da morte e do desejo