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Wednesday, November 18, 2009

Parte III – A outra

Às vezes nós reconhecemos em nós mesmos uma grande árvore. Clarice reconhecia nesta grande árvore uma série de ramificações. Por um lado, alguns galhos eram seus delírios, sua vontade inquebrantável de libertação da redoma de vidro na qual se lançara. Mais galhos, sua relação com Susana, irrecuperavelmente desgastada e egoísta. Talvez em um destes galhos eu estivesse presente.
Até que ponto seria eu, apenas eu, uma dissonância latente do ambiente que a aprisionava? Até que ponto seria eu uma árvore-mãe, pronta para sustentá-la em meus enormes "galhos - braços", dando-lhe amor e alento?
Resolvo ir até sua casa- uma casa mal cuidada tem uma aparência infeliz. Era como se tudo naquela casa sofresse de uma paralisia progressiva - eu precisava de uma resposta, de um não definitivo, precisava olhar em seus olhos e ter a certeza de que ela não me amava mais.
A empregada atende o interfone. Clarice não está em casa, saiu. Foi a um bar com algumas amigas, e com a Susana. Como um cão faminto e abandonado, saio a sua procura, rastreando seus passos, ainda sentindo seu cheiro, aquele, bem na curva onde o pescoço se transforma em ombro, o lugar onde o cheiro de uma pessoa nunca é igual ao outro.
Ando alguns metros e observo distante, Clarice e as amigas.
Um caos negativo atravessa as relações humanas. Esses eram os momentos mais difíceis para mim, como se sentisse as vísceras se revolvendo inescrupulosamente dentro de um corpo vazio. São nesses momentos que a minha angústia atingia um ponto máximo.
É uma experiência estranha essa de amar alguém com quem não se possa viver.
Será que essas pessoas não vêem que o jogo da vida se apresenta sobre múltiplas e variadas formas?
Elas falam em dinheiro, sonhos, poder. Eu vejo o vazio, a pobreza, a ausência de perdão.
Estar nesse ambiente é como estar numa prisão. Não só visceral como espiritual. Estar nesse ambiente é estar em um barco de luxo afundando durante um baile de máscaras.
Eu estou em um arquipélago, no meio do oceano.
Ela estava rodeada de palhaços brancos. Todos eles insensíveis, perigosos, oscilando entre a morte e uma sexualidade destruída.
Ela, apenas ela, uma forte luminosidade, uma nitidez ininterrupta.
Em mim, os demônios, vivendo uma vida de amaldiçoados, num sofrimento insuportável, eternamente interligados. Mordem-se uns aos outros, cada qual se alimentando da alma dos restantes. No jantar, esses mesmos demônios têm um aspecto formal. Eles conversam, o riso amargo ganhando uma variedade de formas. São estranhos dentro da sua própria condição de miseráveis.
Espero até que as duas saiam do bar. Ladrando seus passos, as sigo até sua casa. Recordo-me de uma frase que li quando ainda era criança em um livro empoeirado que ficava na estante do meu avô: A dor e a incerteza da mulher são como um imã que a atrai para a confusão.
Viver com ela seria deslocar-me a uma velocidade incrível. Em segundos atingiria sua boca, seus lençóis, seu peito. Logo percebo que no fundo vivo permanentemente em meu sonho e faço visitas à realidade.
Com quem lamentar que sua vida a levasse a uma estrada cada vez mais estreita?
Susana? Suzana a aprisionava no tempo, a confinava dentro da sua teia de egoísmo, sempre com exigências, cobranças.
Eu estava lá, presente, esperando apenas por um sinal, um aceno, uma migalha da sua atenção. Estava lá, esperando por ajudá-la, eu, apenas eu, a amaria até que a eternidade nos separasse.
Ela era livre, e poderia adejar, quando bem entendesse, para dentro e para fora da prisão dela, por mais que acreditasse que seu único porto seguro era a sua própria doença. O medo.
Susana, sempre ela, a epígrafe do seu sofrimento. Não bastava ter perdido os pais, estava atrelado a um relacionamento que sugava suas forças, inoculando-lhe doses excessivas de sofrimento.

Queria abrandar sua loucura abraçando sua desgraça e sua tristeza.
Toda beleza deve morrer;
Ajoelhando-me sobre ela, com uma pedra em punho, deveria plantar uma rosa entre seus dentes.

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