Ela estava em meu quarto. Minha mãe estava em meu quarto. Ela não tinha idéia do que tinha acontecido comigo. Mas estava ali. Tagarelando sem cessar. Não sabia que eu tinha chorado “sem” lágrimas antes de dormir. Não sabia que o que restava era uma cama de ferro. Dura e áspera. Não tinha idéia de como eu estava me sentindo. Não conseguia ver que os médicos tinham feito minhas lágrimas secarem.
--- Você está magra! Quer dizer, não engordou muito!
Ahhhhhh! A reabilitação tinha me deixado gorda. Eu estava imensa. Como não ver isso?
Ansiolíticos engordam! Como ela era estúpida em achar que eu não tinha consciência disso. Meses em uma clínica tomando doses cavalares de ansiolíticos. Eu estava imensa! Uma vaca gorda que não conseguia enxergar a própria vagina. Mas minha mãe estava ali. Escondendo tudo. Escondendo meus traumas. Escondendo seus traumas. Tentando esquecer que eu tinha mentido em sua cara. Que eu tinha roubado seu dinheiro inúmeras vezes. Tentando esquecer os meus porres homéricos. Os cheques voadores. Os telefonemas anônimos. As namoradas anônimas. Os telefonemas das namoradas que eu tinha que manter no anonimato.
Eu era uma estranha para ela. Para todos eles. Eles e seu mundinho de julgamentos. Sempre desconfiados. Sempre paranóicos.
Aquela diversão histérica me incomodava. Eu não estava feliz em voltar para casa. Eu queria me manter invisível. Mas todos vinham me cumprimentar por estar “começando de novo”.
Quantas vezes terei que “começar de novo”?
---- Mãe, onde é a parte da mesa onde ficam os perdedores?
Putz! Eu não queria “recomeçar”! Não estava disposta a ter uma nova chance. Não queria ser parabenizada por um recomeço que eu não conseguia enxergar. Meses em um manicômio. Meses em uma cela cheia de lunáticos e eu tinha que demonstrar um equilíbrio instantâneo. Não! Eu continuava desequilibrada. E não queria forçar um aparente equilíbrio.
Meu mundo é uma ostra.
---- Okay. Vocês venceram! Vou tatuar “Madre Tereza de Calcutá” na testa para vocês! Satisfeitos?
---- Que mesa linda! Que jantar lindo! Vamos todos sorrir ao posar para as fotos do natal, okay? Precisamos destas recordações. Colocá-las em um álbum lindamente ornamentado.
Uma moça, há cem anos, viveu como vivo. E ela está morta. Sou o presente, mas sei que também passarei.
Sim. Eu não posso considerar a minha vida com curiosidade subjetiva o tempo inteiro. Tenho de viver a minha vida. Ela é a única que terei. Mas como viver a minha vida neste baile de máscaras. Neste “barco de luxo” naufragado?
----- Ah! Vocês não têm idéia de como era solitário viver naquela cela enquanto todos voltavam para o seu mundinho ordinário!
----- Você acha que o seu sofrimento é a coisa mais importante do mundo! Ah! Como você evoluiu no seu sofrimento!
----- Ahhhhhhh! Quem disse que eu penso desta forma! Ahhhh! Não! Eu não evoluí no meu sofrimento. Continuo amando. Sofrendo. Sangrando.
----- Eu quero sangrar até secar. Entendeu? E não estou pedindo para serem “leais” ao meu sofrimento. Não sofro por modismo. Sofro porque não saberia viver de outra forma. Algumas pessoas nascem com esta insígnia. É letal. Eu sei. É genético. Não sei. Sei que está em mim. Esta dor maldita está em mim. Esta angústia fedida está em mim e eu simplesmente não sei como me livrar dela.
----- Você nunca está feliz, mãe. Ao menos que eu esteja em algum tipo de situação desesperadora. Você não sabe o que fazer comigo ao menos que eu esteja em crise.
----- As pessoas te alertaram mãe. Eu era uma drogada. Uma louca viciada em drogas. Eu era uma chapada que vivia fora da realidade. Será que você não notava que os frascos de perfume que eu borrifava eram para esconder o cheiro da maconha?
----- Mãe, nós somos crucificados pelas próprias limitações. Nossas escolhas cegas não podem ser mudadas. Tornam-se irrevogáveis. Você teve suas chances. Não soube aproveitá-las. Chafurdada no “pecado original”! Mãe, eu perdi toda a alegria engaiolada neste quarto. Neste quarto minha dor crônica de viver se torna mais suave. Neste quarto eu sou meio-resolvida. Meio-desesperada. Lá fora os pensamentos me rondam como demônios. Cada pensamento é um inferno. Mãe, eu só quero voltar para casa. Eu só quero retornar ao útero. Eu só quero ver o mundo bater uma porta atrás da outra na minha cara e me manter anestesiada.
----- Eu vou ligar para sua médica. Ela precisa saber o que está acontecendo.
----- Todos na casa estão me vendo como se eu fosse uma visitante sociopata.
O que vocês querem que eu faça? Ponha fogo na casa?
----- Adoraria quebrar sua empáfia!
----- Who I have to be now! É verdade. Eu fui um pesadelo. Você foi uma santa. Mas desculpa. Mesmo assim eu não estou satisfeita em estar aqui com vocês.
--- Você está magra! Quer dizer, não engordou muito!
Ahhhhhh! A reabilitação tinha me deixado gorda. Eu estava imensa. Como não ver isso?
Ansiolíticos engordam! Como ela era estúpida em achar que eu não tinha consciência disso. Meses em uma clínica tomando doses cavalares de ansiolíticos. Eu estava imensa! Uma vaca gorda que não conseguia enxergar a própria vagina. Mas minha mãe estava ali. Escondendo tudo. Escondendo meus traumas. Escondendo seus traumas. Tentando esquecer que eu tinha mentido em sua cara. Que eu tinha roubado seu dinheiro inúmeras vezes. Tentando esquecer os meus porres homéricos. Os cheques voadores. Os telefonemas anônimos. As namoradas anônimas. Os telefonemas das namoradas que eu tinha que manter no anonimato.
Eu era uma estranha para ela. Para todos eles. Eles e seu mundinho de julgamentos. Sempre desconfiados. Sempre paranóicos.
Aquela diversão histérica me incomodava. Eu não estava feliz em voltar para casa. Eu queria me manter invisível. Mas todos vinham me cumprimentar por estar “começando de novo”.
Quantas vezes terei que “começar de novo”?
---- Mãe, onde é a parte da mesa onde ficam os perdedores?
Putz! Eu não queria “recomeçar”! Não estava disposta a ter uma nova chance. Não queria ser parabenizada por um recomeço que eu não conseguia enxergar. Meses em um manicômio. Meses em uma cela cheia de lunáticos e eu tinha que demonstrar um equilíbrio instantâneo. Não! Eu continuava desequilibrada. E não queria forçar um aparente equilíbrio.
Meu mundo é uma ostra.
---- Okay. Vocês venceram! Vou tatuar “Madre Tereza de Calcutá” na testa para vocês! Satisfeitos?
---- Que mesa linda! Que jantar lindo! Vamos todos sorrir ao posar para as fotos do natal, okay? Precisamos destas recordações. Colocá-las em um álbum lindamente ornamentado.
Uma moça, há cem anos, viveu como vivo. E ela está morta. Sou o presente, mas sei que também passarei.
Sim. Eu não posso considerar a minha vida com curiosidade subjetiva o tempo inteiro. Tenho de viver a minha vida. Ela é a única que terei. Mas como viver a minha vida neste baile de máscaras. Neste “barco de luxo” naufragado?
----- Ah! Vocês não têm idéia de como era solitário viver naquela cela enquanto todos voltavam para o seu mundinho ordinário!
----- Você acha que o seu sofrimento é a coisa mais importante do mundo! Ah! Como você evoluiu no seu sofrimento!
----- Ahhhhhhh! Quem disse que eu penso desta forma! Ahhhh! Não! Eu não evoluí no meu sofrimento. Continuo amando. Sofrendo. Sangrando.
----- Eu quero sangrar até secar. Entendeu? E não estou pedindo para serem “leais” ao meu sofrimento. Não sofro por modismo. Sofro porque não saberia viver de outra forma. Algumas pessoas nascem com esta insígnia. É letal. Eu sei. É genético. Não sei. Sei que está em mim. Esta dor maldita está em mim. Esta angústia fedida está em mim e eu simplesmente não sei como me livrar dela.
----- Você nunca está feliz, mãe. Ao menos que eu esteja em algum tipo de situação desesperadora. Você não sabe o que fazer comigo ao menos que eu esteja em crise.
----- As pessoas te alertaram mãe. Eu era uma drogada. Uma louca viciada em drogas. Eu era uma chapada que vivia fora da realidade. Será que você não notava que os frascos de perfume que eu borrifava eram para esconder o cheiro da maconha?
----- Mãe, nós somos crucificados pelas próprias limitações. Nossas escolhas cegas não podem ser mudadas. Tornam-se irrevogáveis. Você teve suas chances. Não soube aproveitá-las. Chafurdada no “pecado original”! Mãe, eu perdi toda a alegria engaiolada neste quarto. Neste quarto minha dor crônica de viver se torna mais suave. Neste quarto eu sou meio-resolvida. Meio-desesperada. Lá fora os pensamentos me rondam como demônios. Cada pensamento é um inferno. Mãe, eu só quero voltar para casa. Eu só quero retornar ao útero. Eu só quero ver o mundo bater uma porta atrás da outra na minha cara e me manter anestesiada.
----- Eu vou ligar para sua médica. Ela precisa saber o que está acontecendo.
----- Todos na casa estão me vendo como se eu fosse uma visitante sociopata.
O que vocês querem que eu faça? Ponha fogo na casa?
----- Adoraria quebrar sua empáfia!
----- Who I have to be now! É verdade. Eu fui um pesadelo. Você foi uma santa. Mas desculpa. Mesmo assim eu não estou satisfeita em estar aqui com vocês.
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