A curvatura do rio era íngreme. Os meandros desaguavam em um leito soturno. Tudo era dor.
A pele era um reinado poliforme de figuras distorcidas, um réquiem, com notas frias e impalpáveis.
Existe uma cruz em sua vagina que a divide em dois pedaços, mutilados e amorfos. O corpo é insólito.
Os fotogramas da sua alma demonstram que Esther é um negativo de si mesmo. A negação da criação. Mergulhada em um abismo de dor indigna, infecta, diz um não proeminente à sua própria constituição física.
A superfície da víscera oca. Uma sinfonia de Mozart.
Quando a obscuridade quente banha seus olhos, a víscera oca se torna um paroxítono. Um crescendo de sons disformes, incompreensíveis.
A vida sonhada é melhor que a vida acordada.
Os ansiolíticos amortecem seu corpo, o tornam estático, com traços de sórdida mudez. Apenas sons onomatopéicos, surgidos do nada, oriundos do topo, em profusão contínua em direção ao poço.
Ter um corpo mutilado significa ter uma alma em uníssono vibrante, com cores fortes, imagens polifônico.
A mão de Nosferatu persegue Esther. Esta terceira mão são os fragmentos despedaçados de sangue morno. A angústia viva.
Angústia é o excesso de voz entupida.
Os ansiolíticos causam morte. Uma morte peremptória. Sucessivas mortes.
Seu calvário, seu palácio. O excesso, sua lucidez. O amor é seu desespero.
Esther e seus vômitos de desespero mudo
Os estilhaços de vidro, o confronto da sua imagem com o espelho a faz ter pesadelos.
A morbidez da transcendência.
A vontade inquebrantável da desagregação.
Existe um paraíso artificial que a petrifica. Uma vida sem nome, onde o amor é apenas uma miragem.
Cecília, uma imagem. Pele alva, fios de ouro. Esther é mergulhada numa liberdade de sentidos. Seu corpo ganha um prazer genuíno. Orgasmos múltiplos.
Esther dorme embalada pela imagem aurática de Cecília.
Cecília, um ser celeste. Uma bailarina que carrega santuários mitológicos na cabeça, flutuando por entre - lugares, olhando para os arranha-céus da cidade com a curiosidade de um ser que acabara de nascer.
Um beijo e um olhar no espelho. A simbiose entre as duas mulheres permitia uma confluência de sentidos. A intercalação. O olhar duplo. O olhar único.
Os passos lentos e poéticos de Cecília, sempre à meia luz, fazem da cidade um lugar cheio de vida quimérica.
Os jardins esquecidos, os esgotos fétidos se tornam palácios cheios de vida e sabedoria.
O olhar de Cecília, um ritmo de feitiçaria.
As letras no papel impresso começam a perder nitidez.
Os ansiolíticos invadem o cérebro de Esther.