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Thursday, August 04, 2005

Metáfora do grotesco.

Foi em 1976 que ouvir falar pela primeira vez em Henry Miller, no porão de uma casa encardida em Nothing Hill, bairro pobre de Londres. Até então não tinha nenhum interesse em sua obra, sabia apenas que ele era o autor da célebre trilogia Sexus Nexus and Plexus, que tinha sido censurado e perseguido por quase 30 anos, além de ter sofrido uma repulsa cortante do seu país de origem.

Não fiz o mínimo esforço para conhecê-lo, pois não conseguia dissocia-lo da imagem de Nadine, senhora de meia idade, eterno objeto do meu desprezo.
Suas conversas com minha esposa eram sempre intercaladas pelas máximas de Miller,como se lhe faltasse criatividade para construir seu próprio discurso. Além disso, seu cheiro lembrava naftalina, e isso me provocava constantes náuseas. Logo, Henry Miller soava a naftalina e era ultrapassado e datado. Uma consideração tosca e absurda, porém sujeito da minha indiferença pelo artista.
Nos tumultuosos anos da década de setenta eu era um jovem senhor, recém casado e pai de uma linda criança. Tinha um emprego fixo em uma loja de materiais de construção, mas encontrava-me com o ânimo arrasado, rebaixado ao último degrau da desesperança e do desespero, envolto em uma angústia que massacrava meus desejos, e feria como uma lâmina de ódio todas as quimeras que assolavam minha tórrida imaginação.

Uma década sem a presença horrenda de Nadine, até que um dia descubro que tinha morrido em um hospício, onde se tornou um simulacro de Miller. Durante o anos em que se mostrou refém de assombrosos delírios, foi acometida por pensamentos persecutórios, simulando a própria perseguição que o escritor vivenciou durante os anos em que “a arte era aprisionada pelos grilhões de algemas gigantescas”, os terríveis anos onde a censura assumia os meandros de um câncer em pura metástase.

Decido ler "o poeta indecoroso", afinal, o odor de naftalina tinha exaurido com a morte de Nadine, nada mais natural que debruçar-me sobre as “linhas tortas” do velho safado. “Vivamos em plena paz e harmonia!” “Suplica o medíocre”. Uma única frase e cai por terra todos os conceitos que erroneamente tinha formulado a respeito da sua personalidade controversa. “Trópico de câncer”.., “ trópico de capricórnio”.., suas leituras se misturam ao sangue que expelia da minha boca com uma vertigionosa voracidade, fruto de um tumor maligno que assolava meu estômago.

“Rir das chagas quem jamais foi ferido”! A grande ferida que se apoderou do meu estômago inundava minha alma. O meu desespero era exteriorizado através de gargalhadas fantasmagóricas, risadas nervosas, a morte era iminente, um barco bêbado que se aproximava do cais.

Quase a beira do abismo, percebo que , obstinado até a loucura, não conseguirei sobreviver ao deserto que criei, reflexo das minhas crises de isolamente e fobia . Preciso fugir do mundo, ou ao menos sentir o impacto de um tiro perfurar minha vontade inquebrantável, minha fome insaciável, percorrendo a pé as estradas vazias de uma cidade desconhecida, assolada apenas por carrancas hostis e casarões antigos.
Dominado por um êxtase velado, comtemplo o silêncio e o vazio.