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Saturday, May 03, 2008

O inferno somos nós mesmos


Uma cortina de tule translúcida e metálica, com uma minutagem aleatória, ilumina o cenário tosco, como se estivesse a registrar momentos de uma existência onde a arte se confunde com uma busca incessante pela dor.

Camille, um gênio escarnecido pela sua própria época, parece “fabricar” a dor em suas esculturas, “embriagar-se” dela ao custo da própria lucidez e da própria vida.

Suas obras são uma espécie de “ metáfora musical “ do inconsciente, denunciam uma “sublimação reprimida”, funcionam como porta-voz de uma artista que encarnou o mito do herói trágico e cuja existência resume-se a sombra de um amor incendiante, numa sociedade que a asfixiava inoculando-lhe a vontade demoníaca de transcendência , metaforicamente representada em suas inúmeras esculturas.

O cenário é tosco, deprimente. Um ateliê na Rua Notre-Dame-des-Champ, numa Paris dos anos 30, onde as mulheres pareciam estar reservadas a um bom casamento com algum ilustre monsieur.

Camille, num ritual pagão, parece exorcizar seus demônios ao sentir suas mãos criarem formas, imagens. Trabalha com a precisão de um ourives, e tal qual uma feiticeira, parece roubar a alma dos que se predispunham a missão honrosa de servirem como modelo para suas esculturas.

Suas obras parecem revelar um “matrimônio” entre céu e inferno, suas esculturas são dotadas de uma vida que lateja, uma solidão pulsante, como se estivessem a deflagrar a completa miséria em que viva a artista, um cubículo onde o espírito de Rodin rondava-lhe os pensamentos, levando-a a um intermitente processo de loucura, assolada apenas pela presença dos gatos que pareciam multiplicar-se, da sujeira visível em todos os cantos, do barro e mármore que serviam de esteio para seu ofício.

Antonin Artaud, célebre escritor francês, costuma dizer; “eu sou aquele que, para ser, deve fustigar o que me é inato”.

Camille Claudel, sua necessidade latente de produzir, parece seguir fielmente a velha máxima de que “o inferno somos nós mesmos.” Seu ritmo é frenético, a estrada do excesso leva Camille ao palácio da sabedoria e do exílio, onde os mártires parecem andar de mãos dadas e sua alma é pura luz imersa em sombras


A purificação presente em seus trabalhos, a loucura intermitente que a assola vertiginosamente, são propulsores de uma intensa produção, 'La Valse', 'La Vague’, 'Les Causeuses', 'Paul Claudel à trente sept ans', que, no entanto parece não encher os olhos da conservadora sociedade parisiense, que a rotula de indecente, profana e louca.


Camille, o gênio esquecido e que padece na “terra da catástrofe” parece viver numa oscilante interseção entre a altitude de sonhos e a opacidade e defasagem de uma sociedade cruel, se mostrando dilacerada, fragmentada ao percorrer a estrada da dissolução. Contudo, as conseqüências sofridas pelo seu corpo e mente denuncia a fragilidade de quem aspirou ao sublime e que encontrou na arte a razão da sua própria vida.

Tosca homenagem a Carol, alguém a quem admiro e cuja ausência me faz dor os ossos.