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Friday, March 20, 2009

A separação também faz parte de uma história de amor?




Meu coração pesava dentro de mim. Durante dias fiquei prostrada numa cama à sua espera, com a íntima certeza de que ela iria voltar, mas tudo o que eu via pela janela era o carro-preto da mulher de trinta. A mulher de trinta com cara de quarenta. A mulher de trinta com cara de quarenta e a menininha de vinte e cinco estavam juntas. Eu não conseguia acreditar nisso. Vedei meus olhos e comecei a acreditar apenas na minha fantasia. A fantasia. O condão de ouro. O “arco-íris” urbano que eu havia criado, com cores que em nada se assemelhavam ao escuro-real daquele quarto pequeno, me dizia que o universo era amplo, e no meu universo, ela era a minha noiva fantasma.

Quando o real se mostra opressivo, tal qual o beijo de um devasso, você aciona seu mecanismo de autodefesa criando uma sub-realidade, e passa a acreditar nela.

Eu e a angústia. Dormíamos abraçadas, à espera da noiva-fantasma.
Um, dois, três dias....

O tédio é o sentimento mais moderno que existe.
Finalmente a noiva fantasma aparece.

Noiva fantasma- Eu acho que a gente precisa conversar.

Ela tinha me abandonado por três dias e ainda se mostrava disposta a uma conversa. Tinha chegado com um perfume diferente. Os cabelos levemente molhados. O carro preto com a mulher de trinta com cara de quarenta estava na casa ao lado. Parado. No rosto um leve sorriso de sarcasmo.

J. - Olha, G, você não aparece em casa. Eu estou preocupada. Não quero te causar nenhum incômodo. Eu estou indo embora com os meninos, vamos para um albergue.

Noiva fantasma- Espera. Espera! Nós precisamos conversar.

J. - Você ficou com outra pessoa no réveillon. Certo?

Noiva fantasma- Sim!

J. - É. Eu percebi. Por isso que eu fui embora. Não precisava ficar ali para presenciar aquilo.
Noiva fantasma- É. Eu sei!

Noiva fantasma- Eu sou muito má quando eu não gosto.

Neste momento meu rosto assumiu uma expressão de dor tão profunda que eu não consegui vislumbrar nada além do imenso vazio que eu sentia. A minha visão se voltou para dentro e meu coração se transformou em uma víscera morta que palpitava aleatoriamente, em descompasso. Eu conseguia sentir o som do meu coração, era como se ele tivesse ganhado vida própria. O corpo palavra das longas conversas pela web tinha se transformado em um corpo-víscera mórbida. Eu era só coração.

Mas existiram as conversas no posto de gasolina próximo a casa dela. O humanismo. A dor ao ver o mendigo na calçada. O desejo momentâneo em estar comigo. O sorriso franco. O olhar de vidro. Tudo se misturou e explodiu dentro de mim. Eu era ela e era tudo o que ela sentia. Era o que ela sentia e o que eu sentia. Mas eu senti. Ela? Será que ela sentiu também?

J – A coisa não deu certo, claro. G ficou constrangida. J, decepcionada.

Noiva fantasma- Me doeu muito te ver naquele estado durante o réveillon, ver que você não conseguia interagir com as pessoas e não conseguir te abraçar.

J - Sofrendo bastante, vivendo, sangrando, e amando. O mito do artista sofrido parecia calar fundo no meu coração. Eu estava perdida!

Há pessoas que nascem e morrem sem nunca ter sentido espasmos de angústia.
Há pessoas que passam pela vida sem nunca ter chorado ou sentido. Elas morrem ou perdem o visgo muito cedo.
Quantas conversas. Quantas palavras não ditas. Quanto sentimento dilacerado, perdido nos trilhos de uma dor sem fim.

Uma nuvem preta me acompanhava. Uma nuvem de melancolia, aonde quer que eu fosse.
Acho que vou morrer amando.

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