Com quem lamentar que sua vida o levasse a uma estrada cada vez mais estreita? Quem há de compreender suas noites insones, seu flerte com o suicídio?
Ele era livre, e poderia adejar, para dentro e para fora da prisão dele, por mais que acreditasse que seu porto seguro era a sua própria doença, o medo.
Tinha olhos que fitavam o universo, mas olhava para dentro, como se estivesse a ocultar um tesouro oculto.
Era preciso acreditar ser possível ver de longe, embora muitas vezes aquele garoto acreditasse que a gravidade da sua doença o impedisse de ver o infinito, seus mistérios.
Por mais que tivesse um sólido físico, existia nele algo de não substancial, como se pudéssemos passar as mãos por entre seu corpo, quebrando-o em uma infinidade de corpúsculos menores.
Ele tinha várias vidas. Era vários Outros. Deixava-se ser. Era aberto ao novo com a lucidez de um guru, com a sabedoria vinda de outras eras. Ele era o João, a Maria, o Fellini e o Chico. Era o olhar sobre a morte com a doçura de um ser celeste. Era o olhar sobre a pena que levemente observava deslizando sobre a eletricidade do vento. Era luz e trevas.
Desejava a dor, ansiava pelo sofrimento. Este era o seu desafio, o seu calvário e a sua redenção; conquistar o palco prescindia estender-se sob a cruz de malta.
O que ele não entendia é que não precisava anular sua existência para se estender sobre corpo e alma sobre seus sonhos.
Ele é o físico e o odontólogo, o matemático e o narciso, o anarquista e o aristocrata, a vaidade e a mendicância, o luxo e o lixo. Ele pode ser. Mas pode ser sofrendo, pode ser amando, pode ser sonhando, pode ser de várias maneiras.
A sua euforia e o seu olhar curioso sob o que perscruta é dele. Não é do outro. Ele é ele, é o todo.
Aminiótico.
A porta está estendida, bem ali, à sua frente.
Os mártires andam de mãos dadas, mas são crucificados sozinhos.
A estrada do excesso o levará ao palácio da sabedoria.
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